2 de janeiro de 2012

A designer baiana Goya Lopes e suas criações

O que me motiva a criar são vários fatores. Um deles é a convivência com as raízes africanas da Bahia, que estão registradas também pelas lentes dos fotógrafos da Boa Terra, dentre eles Pierre Verger e Adenor Gondim. Esses artistas da imagem captam a essência viva da cultura do povo da Bahia. Conviver rotineiramente com essas imagens faz parte de minha vida de criadora, universo de minha realização como artista.
Goya Lopes

Goya Lopes

Pinturas rupestres, ecologia, entalhes em portas da Nigéria e musicalidade da Bahia têm muita coisa em comum. Pelo menos na visão e nos traços da baiana Goya Lopes, designer têxtil que está fazendo nome em Roma e em Nova York com sua grife Didara (bom, na língua africana iorubá). Roupas e tecidos produzidos por ela apresentam cores fortes, amarelo, laranja, vermelho, e belos motivos afro-brasileiros, um trabalho tão marcante que conquistou até artistas como o brasileiro Moraes Moreira e o jamaicano Jimmy Cliff.

Os desenhos de Goya, como cenas de caçada ou representações de grandes animais que parecem pinçadas de alguma caverna antiga, ou figuras abstratas, são feitos depois de muita pesquisa. Quando surge a idéia, ela se debruça sobre o trabalho. Levanta dados, consulta sociólogos. Quer conteúdo para sua temática afro-brasileira. Captados os ingredientes de sua próxima obra, Goya deixa-se absorver pela criação. "Aí, não me importo se o que estou fazendo é do Sul, da Europa ou da África. Meu trabalho é um caldeirão", explica.
Nesse caldeirão, acrescenta, vai muita vibração esotérica. Gosta de pintar temas ligados à mandala, aos orixás, à cultura iorubá. Quando a criação chega ao fim, a designer não quer saber de classificações. "Cada elemento pesquisado para a pintura é visto, é perceptível, mas dentro de uma integração. Um penetra no outro. É esse universo que deve ser apreciado", reforça.
Essa vocação pela pesquisa vem de longe. O sonho mais antigo era ser arqueóloga. Já se interessava muito por pinturas rupestres, línguas primitivas. Na década de 70, Goya começou a estudar História. Não satisfeita, cursou Artes Plásticas pela Universidade Federal da Bahia. E acabou descobrindo que gostava mais de pintar, de criar. Com o tempo, esse gosto deixou os quadros e ganhou outras telas: os tecidos. Tecidos de algodão, juta, viscose, popeline...
Mas essa história começou depois, na década de 80. Em 1977, recém-formada e trabalhando em restaurações, Goya ganhou uma bolsa do governo italiano e foi estudar design na Università Internazionale dell'Arte, em Florença.
Ao voltar para o Brasil, Goya se instalou em São Paulo, cujo mercado oferecia melhores oportunidades aos designers. Em 1981, fazia criações para empresas, vendia desenhos, idéias. Foi um período difícil porque por essa época a arte afro não oferecia muitos referenciais. A temática já estava desenvolvida, mas não havia ousadia nas cores.
"O padrão africano era reconhecido. O meu, não. Eu misturava temas da África e da Bahia e usava cores com influência européia, coisas novas", recorda a designer.
Dois anos depois, Goya voltava para a terrinha. Em Salvador, cidade turística, deu início a sua carreira de forma bem artesanal. Ela produzia peças únicas em silk-screen.
Atualmente, embora tenha abandonado a produção artesanal, Goya não deixou de trabalhar com a sensação das peças únicas. "Não faço grande produção. Prefiro dar satisfação a quem compra, me preocupo com a clientela". Essa preocupação deu resultado, principalmente com os comerciantes de São Paulo.
Em 1986, foi lançada a grife Didara. Em 1988, a designer passou a exportar para a Itália e os Estados Unidos.
A Didara hoje está instalada em Salvador no Centro Histórico e em São Paulo, onde Goya começa a trabalhar uma linha de decoração com suas estampas. Sua equipe atual conta com 17 pessoas, mas a designer assume parte ativa da empresa.
Além de criar o desenho, ela escolhe tons e faz a arte final. As pesquisas, claro, partem dela e resultam em camisetas, short's, bolsas, sacolas, chapéus, cangas, saias, páreos, sandálias, sapatos, colchas, jogos americanos.
Durante a Eco-92, Goya fez questão de se encontrar com mulheres africanas. Ficou encantada com suas vestimentas e resolveu mostrar suas criações. O encantamento foi recíproco. Quem pôde comparar, recorda a designer, percebeu a diferença entre as estampas. "Minha cor é tropical, mas não africana. E meu trabalho indica que o pessoal da Bahia quer voltar para a ancestralidade, mas com um olhar na contemporaneidade", filosofa. Quer resgatar o lúdico. Quer os entalhes das portas da Nigéria e a representação dos novos ritmos baianos desenhados sobre artísticos tecidos que cobrirão os corpos.
Goya objetiva, principalmente, resgatar o lúdico nacional. Em seus tecidos, entalhes nigerianos dançam ao som dos mais alegres ritmos da Bahia.
Uma mistura de pesquisa e espontaneidade que ainda fará muita gente dizer: "Eis um legítimo Goya".

Texto de Lena Castellón









______________________________________________


A designer baiana Goya Lopes está fazendo história ao redor do mundo com suas criações. A cada ano, ela se renova nas coleções, que, além de um olhar bem atual, traz em destaque o contexto étnico afro-brasileiro. Goya estudou design durante três anos na Itália, onde também cursou litografia.

De volta ao Brasil, iniciou a criação de um produto com status de peça única e que transmitisse não só o lado estético, mas, sobretudo, a cultura afro-brasileira. O projeto Didara ('bom', em iorubá), existe há 11 anos com esse ideal. As cores fortes como amarelo, laranja, vermelho e belos motivos afros dão um tom especial e uma característica única em seu trabalho. Nesta entrevista, a artista-estilista fala sobre o panorama da moda no Brasil que, cada vez mais, ganha status de cultura. "O mundo inteiro sabe que a moda também é cultura. Até o governo tem reconhecido isso, a prova é o setorial de moda do Ministério da Cultura (Minc)", afirma

Como está o atual momento da moda no Brasil, com tanto destaque na mídia?

O momento atual é muito importante porque a moda está sendo reconhecida como cultura e é fundamental esse reconhecimento. O mundo inteiro sabe que a moda também é cultura. Até o governo tem reconhecido isso, a prova é o setorial de moda do Ministério da Cultura (Minc). Nós podemos pensar e começar a trabalhar como políticas públicas para a moda como cultura. É a coisa mais importante!

E como a moda afro-brasileira está inserida nesse contexto?

A moda afro-brasileira também está sendo vista como parte dessa cultura. É fundamental que nesse momento em que se está pensando na moda como cultura, pensarmos também em como trabalhar e pensar, realmente, como reconhecer a moda afro-brasileira, quem são os seus atores, quem somos nós nesse momento. Para tal, é necessário reconhecer e mapear esses atores.

Você é, talvez, a maior representante dessa moda afro-brasileira e que leva esse conceito para diversas áreas da sociedade. As pessoas gostam de vestir o seu trabalho. Isso sempre foi assim ou houve alguma resistência?

O início do meu trabalho foi um projeto de design. Ele nasceu direcionado a um público-alvo: o turista. Eu precisava construir um padrão e, para isso, era necessário, antes de tudo, ter um espaço, então construí isso tendo como laboratório o Pelourinho. Não só para a Bahia e para os baianos, mas, principalmente, para todas as pessoas que visitam a Bahia, ávidas por uma lembrança cultural. Coloquei-me num local adequado para que eu pudesse construir isso. Meu trabalho foi construído ao longo de 25 anos, não só na Bahia, mas em nível de interagir com todas as pessoas que passassem pela Bahia, inicialmente no Pelourinho e, depois, no aeroporto de Salvador.

E isso tem 25 anos?

Para se construir um padrão é necessário um trabalho em longo prazo. Era impossível construir a curto ou médio prazo. Hoje, já conseguimos expandir e é natural que esse produto tenha tomado uma forma para o cotidiano. Agora, realmente a construção de projeto foi planejado, ele pôde ter uma aceitação ao ponto de que esse "interagir" com todos, trouxesse uma resposta.


Esse trabalho já consegue ser aceito e ter espaço garantido na sociedade brasileira?

A moda afro-brasileira ainda está muito longe de ser aceita dentro de um processo, porque ela exige uma produção, uma promoção, uma resposta positiva da mídia. A moda da diáspora étnica, da matriz africana, no mundo inteiro não tem essa resposta. Não é só a questão do trabalho, do talento, mas ela tem que ter uma resposta positiva em se tratando de resultado de venda, de mercado e de aceitação da mídia. Mas hoje, acredito que estamos numa situação bem melhor porque podemos trabalhar dentro do Brasil com a questão cultural e, principalmente, existe um potencial muito grande dentro da economia criativa. Hoje se acredita que seja uma mola propulsora no desenvolvimento. Então, por que não se trabalhar dessa maneira? Acredito que existe muita dificuldade, mas existe também uma grande possibilidade que é através da economia criativa.


O fato do Brasil, principalmente São Paulo e Rio e Janeiro, ter se tornado nos últimos anos parte do circuito mundial da moda tem ajudado a moda afro-brasileira?

Todo esse crescimento da moda afro-brasileira não está dentro deste contexto. É necessário, mais do que nunca, pensar em uma maneira de se organizar a moda brasileira dentro deste contexto, do que está acontecendo nesse circuito. Ela não existe! O que existe são atores isolados como eu, como outros que se falam e se apresentam, mas não existe, de fato, a moda afro-brasileira num contexto de Brasil e nem no contexto de fora. Porém, existe todo um potencial muito grande que é necessário se mobilizar para que isso aconteça. É necessário criar estratégias. O principal é formar um grupo unido para que se possa se apresentar isso. A moda no Brasil cresce, mas sem estratégia para a moda afro-brasileira.

Você é uma empresária e, ao mesmo tempo, uma ativista da causa afro. Isso é perceptível na sua fala e no seu trabalho. Como conciliar trabalho, moda e militância?

A minha estrada foi construída de uma maneira muito individual, mas chegou a um ponto que vi que não poderia, de jeito nenhum, crescer se não tivesse fazendo parte do coletivo. Hoje, sou diretora de responsabilidade social do Sindicato do Vestuário de Salvador, e sou do colegiado do setor de moda do Minc. Um lado é o empresarial, o outro é o cultural. É fundamental que eu tenha os pés nesses dois lugares para que, assim, eu possa mobilizar. Não adianta você crescer sozinho, porque chega-se a um ponto em que não se consegue discutir, não se consegue melhorias.


E o ativismo racial e cultural?

É mais que necessário! Não sei se os outros pensam da mesma maneira que eu, mas ela é necessária exatamente para a construção atual. Hoje tudo é na base de redes. Se você não está associado a um grupo, você próprio não se reconhece. É fundamental que a questão empresarial esteja aliada a grupos. E fundamental, também, que esses grupos não sejam fechados, que estejam relacionados com outras redes porque é o oxigênio, as coisas são muito rápidas e a única maneira de estar atualizada é fazendo parte desses grupos. Ninguém consegue absorver tudo.

Vejo com mais frequência pessoas usando a moda afro no dia a dia. Houve uma época que os africanos ou militantes fazia isso, e esse talvez seja o caminho para trazer essa moda para o cotidiano. Essa é a sua busca?

Esse é o propósito do meu trabalho desde o início. Trazer a moda para o cotidiano, porque, na realidade, a moda afro-brasileira não é moda afro, ela é afro-brasileira, está dentro do nosso cotidiano e, para tal, ela tem que se adequar ao nosso meio de vida. O nosso encontro com a moda afro-brasileira foi para que pudesse criar uma moda em que nós brasileiros víssemos a matriz africana de uma maneira nossa. É necessário que a questão da moda afro-brasileira seja estudada, pois existem situações em locais em que as pessoas se coloquem daquela maneira. Mas também existe uma moda para todos e essa é também a busca da empresa quando se colocou no mercado. Uma moda para todos aqueles que respeitam, que acreditam, gostam da cultura afro-brasileira e encontram nela um referencial de riqueza e de potencial, não só de luta, mas de potencial de referência da sustentabilidade, da religiosidade e, principalmente, de um jeito de ser.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Você não tem noção de quanto ficarei feliz em receber o seu comentário!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...