12 de junho de 2013

O arquiteto dos momentos

Você planeja, improvisa ou ignora o Dia dos Namorados?


Com o perdão do lugar comum, o que fica da vida são os momentos. 
Outro dia eu estava com ela numa loja de roupas femininas, sentado pacientemente no meu canto, quando começou a tocar, nos alto-falantes, a música Georgia, cantada por Ray Charles. É talvez o blues mais triste e mais bonito que já foi composto. Enquanto os primeiros acordes da canção enchiam a loja, ela saiu do mostrador com um vestido lindo, sorrindo, e meu coração se encheu de ternura. Algo me diz que vou lembrar daquele instante pelo resto da vida. 
Hoje, quando muita gente celebra o Dia dos Namorados, lembrei de um amigo que é o mestre dos momentos, o Oscar Niemeyer das ocasiões especiais. Ele é capaz de transformar qualquer situação num momento inesquecível. Sem esforço aparente, e com imensa eficiência, planeja datas como a de hoje para que se transformem em pérolas na memória da mulher que ele ama.
Às vezes ele organiza uma viagem em segredo, outras vezes aparece com um presente inesperado, frequentemente prepara surpresas domésticas - um jantar, um café da manhã, um maço de flores - para sinalizar que ele se lembra, para mostrar que a presença dela é importante, para deixar claro, claríssimo, que ainda pensa nela apaixonadamente, e que os sentimentos por ela não se tornaram apenas parte da mobília.   
Diante desse amigo, eu só posso sentir inveja. 

Assim como boa parte dos homens e das mulheres que conheço, não consigo ser assim organizado. Ou dedicado. Ou talvez a palavra certa seja abnegado. Olhar para o outro com essa intensidade, depois do período de paixão, exige separar-se de si mesmo, dos seus desejos e problemas, e dar prioridade a quem está ao lado. É preciso ser uma pessoa profundamente generosa para colocar-se dessa forma no mundo.  

Quando se trata de momentos especiais, e quando se trata de amor em geral, poucos de nós são arquitetos cuidadosos. A maioria se divide em outras duas categorias de pessoas - os improvisadores e os que realmente não ligam. 
Os improvisadores vivem o momento sem planejá-lo. Deixam que o outro entre na vida deles ( e entram na vida do outro), sem reflexão e sem cerimônia. Ao entusiasmo dos primeiros dias vai se sucedendo uma relação tranquila, em que o improvisador absorve o outro sem pensar demais no assunto. Não há grandes marcos na vida a dois. Os gestos dramáticos estão ausentes. 
Se você quer uma celebração no Dia dos Namorados, vai ter de organizar sozinha. Com esse tipo de gente, os momentos especiais nascem de forma espontânea - arroubos, conversas, gestos impensados, grandes noites que começaram com uma gargalhada na cozinha. Os improvisadores acham feio preparar ocasiões sentimentais. Eles surfam o momento de maneira entusiasmada, mas não são bons em construí-lo. Nem gostam. Há um certo egoísmo neles, algum cinismo, certa preguiça. 
Os que não ligam são gente ainda mais difícil. 
Com eles não vai ter romance no Dia dos Namorados. Ela, aliás, detesta a data. Fica esquisita no dia do seu próprio aniversário. Essas situações, essas formalidades, claramente a angustiam. 
Os que não ligam têm os seus próprios critérios sobre o que é importante, e eles não se confundem com as convenções. Os gestos de amor são íntimos e não se apresentam de uma forma óbvia. Convidá-lo para ficar e dormir na cama dela pode ser um passo enorme. Pegar a sua mão na rua pode demonstrar envolvimento. Uma madrugada, no balcão da lanchonete, ela pode falar sobre a relação difícil com o pai dela, sobre quem nunca dissera uma palavra. Como se diz para uma mulher dessas que você a ama e quer viver com ela? Suponho que não seja com um jantar e um anel de brilhantes. 
O que se faz com essas diferenças? 
Depende. Esta noite, por ser Dia dos Namorados, você pode jantar num lugar romântico ou transar no sofá depois de pedir comida chinesa. Também pode ir ao cinema ignorando a comoção artificial. Depende de quem você é. Depende da pessoa que você escolheu. Vocês planejam, improvisam ou ignoram esses momentos? Aquilo que nos faz feliz é nosso direito, e varia. 
Mesmo se você estiver sozinha - ou sozinho - não sucumba. Lembre que o Dia dos Namorados é apenas uma conversa de românticos patrocinada pela associação dos lojistas. Há outros 364 dias no ano em que tudo pode acontecer. Amanhã a vida pode recomeçar, amanhã você pode descobrir alguém, amanhã pode mudar de emprego, mudar de cidade, mudar de ideia ou, quem sabe, mudar de parceiro ou de parceira. Por que não? 
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Ivan Martins é editor-executivo da revista Época, autor do livro Alguém especial e escreve em epoca.com.br todas as quartas-feiras 

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